Maurício Adinolfi Textos



Texto para o projeto Fronteiras e Estados de Sítio de Sofia Bauchwitz



Como lembro e sinto Mauricio Adinolfi.

Monica Rizzolli me apresentou Mauricio Adinolfi e pouco a pouco fui entendendo melhor o seu trabalho. Todas as suas temáticas, simbolismos e narrativas conversam diretamente comigo: os animais, os barcos, o mar. Mas é a maneira como Mauricio ativa a experiência artística e estética que me chama mais a atenção como espectadora da obra.

Claro, quando ele fala dos primatas do zoológico de SP que pintou, ele fala desde o coração afetado. Não digo artificial e cheio de trejeitos (nem mesmo artísticos), falo da afetação sincera, do peito cheio de afeto, atordoado pela experiência vivida, lembrada e compartilhada (No catalogo da exposição ele dividiu alguns trechos de seu diário de bordo). Ele fala desde a simplicidade de quem sente e quase não precisa do respaldo de discurso teórico.

Quando vi seus primeiros quadros dos macacos, me lembrei do macaco virado de costas para o público de Carolina Cardich. Mas Carolina, sendo bióloga de formação, não consegue se livrar de um discurso mais científico e teórico – sem deixar, a meu ver, de emocionar com seu trabalho. Mauricio também tem uma foto de um macaco virado de costas. Mas a macaca está virada de costas para ele, para a jaula, olhando -imagino- o que há de mundo lá fora. Mas essas fotos se mostram mais entre amigos e não saberia o quão públicas são. Tive o privilégio de poder fazer essas associações.

Outro lado do Mauricio que acho importante mencionar é seu contato com a literatura, a poesia. Não diria que é seu dispositivo criativo, mas é seu idioma. Mauricio fala pela poesia ou busca traduzir a vida para a poesia. Também foi pelo texto que me liguei a ele quando, em tom confessional, me disse os possíveis nomes que sua próxima individual terá. Um deles, a provável decisão, fazia menção a Moby Dick de Herman Melville. Desde então, me senti mais amável com todo seu trabalho. Pois eu, como alguns sabem, tenho preferência por baleias. Manoel de Barros prefere as formigas.

Mas é em projetos como Cores no Dique, Ultramar Ilha Diana, BarcoR - estética tocantina ou ainda Mar Madeira e outros Animais (este último de maneira semelhante aos grafites anônimos e urbanos) que Mauricio Adinolfi põe em pratica o exercício social que chamamos política. E acho que alcança essa potência pela esfera micro da política: desde o singular de cada pessoa que compõe o projeto.

Cores no Dique é um bom exemplo. Mauricio propõe revitalizar as palafitas da comunidade do Dique, em Santos, com intervenções pictóricas. Essa articulação toda em torno das comunidades, pondo em pauta as tradições, os simbolismos ainda presentes e aqueles esquecidos, a própria identificação com o espaço que se ocupa e no qual se habita leva a um re-encantamento pela vida. Cada pessoa envolvida parece ter voz nessa transformação. Essa participação é real justamente porque se dá pelo dialogo. É o dispositivo politico mais forte: permitir que alcem a voz, que opinem sobre cores, sobre formas, sobre estética (!) e também que o conhecimento e a opinião de todos seja ponderada e levada em conta, e que todos cooperem com a modificação do espaço.

Uma vez ativada essa identificação das pessoas com o projeto, uma vez que o espaço se transforma pela vontade e pelas mãos de todos, ocorre uma retomada de poder pela identificação com o espaço em que se habita, pela tomada de consciência desse espaço, desse corpo. É quando nos sentimos identificados com o lugar que percorremos a diário que podemos nos identificar e ressignificar como espaço. E é somente quando conscientes dessa identidade, que não precisa arraigar-se a nada e sim estar preparada para câmbios, que o homem pode conviver entre os seus semelhantes e seus diferentes. Às vezes essa convivência é mais colorida.


Pinacoteca do Estado do Rio Grande do Norte - 2014 - Natal/RN.