Maurício Adinolfi Textos



Entrevista para o site da Fundação Iberê Camargo




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Ser Artista nunca foi uma classificação estanque, por isso nunca defini apenas uma forma de ser artista, de trabalhar com o que quer que fosse considerado arte. Mas a escolha de dedicar-me ao trabalho poético acredito que aconteceu na adolescência. A vontade de viver isso como uma necessidade de sobrevivência intelectual. Estudei filosofia já trabalhando em ateliê próprio, produzindo; mas a curiosidade filosófica foi mais forte (como estudo orientado), sempre foquei em estética, filosofia da arte, história da arte. Mas a despeito disso acredito que o mais substancial é a vontade interna, já que trabalhei em vários empregos antes de me dedicar totalmente à arte. Esse início foi conturbado, mesmos os estudos, que abandonei e retornei. Me envolvia em vários projetos e exposições em espaços não convencionais, trabalhando no interior de São Paulo, em Minas e Mato Grosso do Sul.

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Com minha volta para São Paulo e organização de um ateliê, dividi meu trabalho entre aulas de filosofia, desenho e pintura em escolas e na Febem, e a produção e pesquisa artística dividindo um ateliê coletivo. Época de produção e experimentação intensa, participação em Salões, exposições coletivas e depois de dois anos uma exposição individual chamada “Santuário”, com pinturas grandes e trabalhos em madeira. Participei de uma residência artística no Ateliê Amarelo no centro de São Paulo onde já possuía ateliê e pude desenvolver ainda mais minha pesquisa e as relações e questões obre arte, intervenção e sociedade. Isso me deu uma nova visão de arte “pública”, espaço onde continuo expandindo novos projetos. O mais recente, “Sobre Mar, Madeiras e outros Animais, aconteceu no Edifício Copan em São Paulo, e juntou a experiência da pintura à construção de uma instalação com madeiras. Toda a base de pensamento dessa intervenção vem da pintura, dos seus elementos: a composição, o pensamento espacial, a fatura, os campos, o escorço, tonalismo, etc, porém trabalhando e partindo desses elementos em outro espaço. Porque isso é possível e natural! Já que esses elementos não são só da obra. Eles tem que estar no artista. A obra é o reflexo do artista; o artista é sua obra. Por isso, nessa intervenção no Copan e nos trabalhos de madeira a estrutura da obra é a própria obra, eu não escondo essa estrutura. Não há algo por trás, uma sustentação artificial (uma narrativa para ela). Toda sua matéria é ela, os cabos de aço, os encaixes de madeira, os ganchos. É a transparência radical da ação. Pensamento e ação atualizados, visíveis no mesmo ato material. Não há ilusão!

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Quando você me pergunta sobre a pintura, não vejo a pintura como uma técnica ou categoria. Ela é sim uma forma intrínseca de pensar . é como vejo o mundo! Uma postura de entendimento e dialogo com a vida. A partir disso há um alargamento de ação, as possibilidades são outras. Os elementos da pintura tem que fazer parte da estrutura interna do artista; é sua forma de se relacionar. Vejo então o caminho da pintura “depois da chamada crise” nessa apropriação e expansão dos seus elementos, como disse acima. Mas não vejo impossibilidade na sua forma “tradicional”, acredito que a pintura “tinta e suporte” é imprescindível e se prova sempre necessária, nunca paro de pintar ou pensar a pintura, ela é minha chave! Sinto a necessidade de pensar por meio dela, de sê-la Nesse momento, alem dos projetos, tenho um compromisso próprio de montar uma exposição de pinturas para o final de 2011.

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A ação no meu trabalho é onde acontece o que há de mais interessante. Como considero a ação uma forma de pensar completa e incontrolável, é nela que o exercício intelectual e muscular encontram a vida em potencia e instante. Nesse momento a furadeira age como um instrumento com força própria, porém uma extensão elétrica do corpo. O que expande, alegra e vivifica o risco.

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“A formação de público”, ou melhor, a formação humana é uma questão que pode ser melhor pensada do ponto de vista da educação, que no nosso pais é complexa e vive numa incapacidade de se realizar. Não há nem nunca ouve a compreensão de um projeto educacional. Por isso queremos e sentimos necessidade de uma ação educativa nas artes. Hoje as instituições culturais estão dedicadas a isto. Pensando e fazendo novas experiências. Como artista encaro essa questão sem separações. No pensamento de arte pública que acompanha o Projeto Cores no Dique, o público é um co-autor tanto na realização como no espaço onde acontece a ação, no caso a própria estrutura das casas dos moradores. O Projeto Cores no Dique iniciou com a recuperação, pintura e composição das casas num trabalho coletivo, onde a pintura age na estrutura e superfície num espaço complexo materialmente (uma ação no mangue, uma estrutura de madeira suspensa sobre a água). E também complexo socialmente, de onde expandiram questões e preocupações que nasceram desse dialogo pictórico. Os moradores começaram a agir com a companhia de habitação, a pensar o lixo. Hoje o Projeto alem da parte pictórica, trabalha com biólogos, professores, arquitetos e com as demandas levantadas e assumidas pelos moradores. Oiticica diz “o museu é o mundo”, Beuys fala do compromisso do artista com a vida. Cabe a cada um encontrar o caminho onde se realiza, onde o seu projeto de vida é seu projeto de mundo. O Projeto da Bolsa Iberê pensa a relação com os barqueiros por meio de uma proposta de pintura. A minha forma de iniciar um dialogo é através da pintura, e assim, o que vier dessa dialética com o outro, de uma troca de experiências, será o novo que se constrói. Não acho que a arte tenha um papel definido. Vejo assim: qual o seu papel como ser humano? Nem papel! Que papel é coisa para ator do passado! Qual é a tua como ser?! Cada um constrói seu barco, sua barca, balsa, lancha, jangada, navio...

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Sobre as cores... As cores não são escolhidas, elas são fruto de toda uma vida, de percepção do mundo, tanto da vida urbana, no centro de São Paulo, quanto da vida no mar, em Santos, das pessoas que conheci, da cor das peles, do céu, do amarelo dos estacionamentos e do sol, dos tns que foram se relacionando durante a construção dos trabalhos. Sinto uma emoção forte ao pensar isso. A carga de toda uma existência (ainda que breve) parece se acercar de mim agora; essas cores que uso, sujo, escolho, me escolhem, manipulo, são as cores de um arrebatamento da vida, são pessoas que me abraçam, é o céu e o mar que se fecham em mim. Para alem dessa relação muito pessoal, há as cores fruto das oficinas coletivas nos projetos. Onde cada um cria e compõem uma gama de cores, e depois tudo se transforma numa afirmação coletiva e também individual, já que no caso do Dique, se a casa tem um dono ele terá a maior forca e % na escolha.

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Essas misturas são parte do meu trabalho, tanto a diferença de madeiras quanto de cores misturadas, um tonalismo profano. Gosto de recolher esse material para usar sua cor própria, essa cor já pronta que tinha um fim na sua matéria, poder recolher e reorganizar essa cor do mundo. É constituinte do meu trabalho reestruturar esse material recolhido, trabalhar com ele, lixar, pintar, furar, criar uma nova estrutura; que é um movimento de descoberta e estruturação do ser. Não uso esse material como um ready made , esse não é meu caminho. Me ocupa pensar o que pode ser construído e criado à partir dessas relações, de tintas com corpo diferente, consistências diferentes, pesos, enfim, como relacioná-las e resolve-las.

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Estou trabalhando nessa série de pinturas (óleo sobre tela) com muita matéria, fartura. Pinto principalmente animais, macacos, gorilas que já venho desenvolvendo há dois anos. Instinto, pulsão e pensamento atribuído.Estou trabalhando também num grande projeto de reurbanização na represa Billings, “Cores na Billings”, onde realizo uma pintura mural conjunta de 2000m2 nas empenas das casas, em parceria com empresas de engenharia, os moradores das casas e um escritório de arquitetura; um projeto que também está se expandindo e criando novas relações. Para o meio do ano tenho uma pesquisa, estudo e projeto em Nova York e um projeto de pintura em Belém do Pará. Continuo o trabalho no Cores no Dique e convido quem quiser conhecer.